segunda-feira, setembro 24, 2007

#00.149 As mulheres portuguesas são parvas

(03/03/2005)

"Confissões de uma liberal", pág. 75
Maria Filomena Mónica

Nos últimos tempos, fui entrevistada por vários jornais, os quais, suponho que devido à crise económica, me enviaram raparigas muito novas. Eram geralmente bonitas, espertas, altas modernas e rápidas. Eis, pensei a Nova mulher.

Inesperadamente, o final das conversas tendeu a escorregar para a dificuldade que encontravam na compatibilização entre o trabalho e a maternidade.

Num caso, aconteceu mesmo ter eu descoberto estar a desempenhar o papel de psicanalista, dando conselhos sobre a forma como a jornalista, que acabara de ter um filho, podia e devia reivindicar para si, sem se sentir culpabilizada, um maior espaço de autonomia.

Suponho que o facto de ser mulher, mãe e avó convida a estas confissões imprevistas. Não me importei: as revelações das jovens serviram para me mostrar que as novas gerações, pelo menos as da classe média não têm a vida mais facilitada do que eu tive há quarenta anos.

Por um lado, «as criadas de servir», como antigamente lhes chamávamos, são hoje mais caras, por outro, a ideologia dominante sobre a função da mulher alterou-se menos do que eu pensava.

É isto que um trabalho, publicado por Karin Wall, do Instituto de Ciências Sociais, e por Lígia Amâncio, do ISCTE, veio demonstrar. A quase totalidade dos portugueses (93%) considera que, num casal, tanto o homem quanto a mulher devem trabalhar fora de casa, mas um número impressionante (78%) diz que a criança pequena sofre quando a mãe trabalha. Cerca de metade da população afirma que as mães se deveriam abster de trabalhar quando têm filhos com menos de seis anos.

Ora, devido aos salários, reduzidos, da maioria dos trabalhadores masculinos, Portugal possui a mais alta taxa de emprego feminino da Europa, uma situação que só pode conduzir a que as portuguesas vivam em estado permanente de culpabilidade.

Mas há mais. Os portugueses excedem-se verbalmente no seu amor pelas crianças: para 62 por cento, os indivíduos que não têm filhos levam uma «vida vazia». Ora, são estes senhores, que tanto dizem amar os filhos, que se não dão ao trabalho de lhes mudar as fraldas, de os levar ao médico ou de os alimentar. As mulheres portuguesas gastam três vezes mais horas do que os homens na lida doméstica: dispendem, por semana, vinte e seis horas enquanto eles apenas gastam sete, o que dá uma diferença de dezanove horas semanais, uma média superior à europeia.

As portuguesas continuam a ser exploradas, como se nada se tivesse passado desde o momento, na década de 1960, em que a minha geração ergueu a bandeira da emancipação feminina.

Algumas das jovens que reponderam ao inquérito declararam conformar-se com a distribuição do trabalho vigente, chegando a dizer «nós nunca nos zangamos por causa das tarefas domésticas», continuando a lavar a roupa, a passar a ferro e a mudar fraldas, como se os filhos não fossem responsabilidade de ambos.

Sei, por experiência própria, que é mais fácil fazer greve às tarefas domésticas do que ao tratamento dos filhos. Apesar das minhas resistências, acabei por admitir que existe um laço afectivo diferente entre a mulher, que teve de carregar o feto na barriga durante nove meses, e o homem, que se limitou a depositar nos ovários um montinho de espermatozóides.

Mas isto não explica a exploração a que as minhas compatriotas são sujeitas, não só pelos maridos, como por uma sociedade que continuas a atribuir-lhes todos os males contemporâneos, do consumo juvenil da droga à anomia cerebral dos alunos.

Nunca pensei que a situação fosse tão má. Na minha ingenuidade, pensei que, na História, havia domínios – sendo um deles a emancipação feminina – em que se tinham verificado progressos. Depois de ler estes dados, tenho dúvidas.

Algumas raparigas ainda parecem pensar que a sua única função no Universo consiste em desempenhar os papéis de esposas devotadas, paranoicamente ocupadas com a limpeza do pó, e mães tão excelsas quanto a virgem Maria.

De certa forma, o destino das raparigas na casa dos trinta ou quarenta anos corre o risco de ser pior do que o meu. Quando casei, o que de mim se esperava, além da procriação continuada, era que se passasse o dia a arrumar a casa, a cozinhar pratos requintados e a vigiar a despensa. Hoje, a estas tarefas, vieram juntar-se outras. As mulheres modernas são supostas ser boas na cama, profissionais competentes e estrelas nos salões.

Mas isto é uma utopia. Nem a mais super das super mulheres pode levar as crianças à escola, atender os clientes no escritório, ir à hora de almoço ao cabeleireiro, voltar ao escritório onde a espera sempre um problema urgente, fazer compras num moderno supermercado, ler umas páginas de Kant antes de mudar as fraldas do pimpolho, dar um retoque na maquilhagem, telefonar a três babysitters antes de arranjar uma, ir ao restaurante jantar com os amigos do marido, discutir a última crise governamental e satisfazer as fantasias sexuais difundidas pelos canais de televisão. Estou a falar, note-se, de mulheres socialmente privilegiadas. A vida das pobres deve é um inferno.

É por isso que a luta tem de continuar. Não sei se sou «feminista», nem a questão terminológica me interessa. Sei que sou contra todas as injustiças e, entre elas, contra a ideologia que nos quer manter encerradas numa Casa de Bonecas. Ao longo dos anos, tenho ouvido de tudo, incluindo mulheres que dizem estar contra a emancipação feminina.

Pensei que não valia a pena perder tempo com tontas. Mais madura, considero hoje que o melhor é retirar-lhes o direito ao voto, o direito ao divórcio e a protecção legal contra a violência doméstica. Se gostam de ser escravas, que o sejam. Acabou-se o tempo das contemporizações. Quem luta, tem direitos; quem se resigna, fica de fora.

1 comentário:

Anabela disse...
Este comentário foi removido pelo autor.